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Psicologia

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) está cada vez mais comum nas grandes cidades e um dos fatores que promove esse aumento é a violência urbana. Atualmente, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo está selecionando 70 vítimas de violência e acidentes que não tenham conseguido retomar sua rotina para participar de um tratamento em grupo gratuito.

O processo seletivo busca identificar entre vítimas de assaltos, abusos sexuais e acidentes aquelas que tenham TEPT. É muito comum essas vítimas terem recebido diagnóstico apenas de depressão ou ansiedade. Porém, após o contato com os psicólogos descobrem que o episódio de violência contribuiu de maneira decisiva para a degradação do seu estado emocional. Em 80% dos casos, a pessoa desenvolve ainda doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes.

O psiquiatra Daniel Barros comenta sobre essa situação. -Muitas pessoas acham que um evento traumático é apenas uma guerra. Há uma falta de informação sobre os efeitos provocados pela violência. No geral, a vítima não acha que a violência sofrida ou testemunhada pode deixar marcas por muito tempo. Nos Estados Unidos, os primeiros estudos sobre o tema estão relacionados às vítimas de guerras.

Mais recentemente, estudiosos americanos constataram o impacto da violência urbana para o desenvolvimento do transtorno. Um levantamento mostra que 13% das mulheres e 6% dos homens que vivenciaram um ou mais experiências traumáticas durante a vida podem desenvolver o Transtorno do Estresse Pós-Traumático, segundo o artigo publicado na revista Clinical Review & Education em agosto deste ano. Não se sabe se a estatística se aplica à realidade brasileira. Os elevados dados sobre violência urbana nos grandes centros fazem com que cada vez mais pessoas estejam expostas a fatores determinantes para o desenvolvimento do transtorno.

Muitas pessoas acham que um evento traumático é apenas uma guerra. Há uma falta de informação sobre os efeitos provocados pela violência. No geral, a vítima não acha que a violência sofrida ou testemunhada, o sequestro no geral, desde ameaça no telefone, abuso de idosos, uso de álcool e drogas – muitas vezes associadas ao tráfico - podem deixar marcas por muito tempo-, afirma a psicóloga e terapeuta cognitiva Lina Sue Matsumoto, que lidera o projeto. Em grupo Ao todo 80 pessoas, entre 18 e 65 anos, que tenham o transtorno pós-traumático participarão da terapia em grupo. Nos encontros semanais, elas não precisam relatar obrigatoriamente o episódio de violência. Só é preciso falar a respeito do que sentem quando se lembram do incidente e as sensações incômodas que atrapalham a retomada da rotina. Lina Sue Matsumoto, que utilizará o resultado do trabalho em sua tese de mestrado, afirma que atualmente não existe indicação para tratamento em grupo nos casos de estresse pós-traumático.

A gente faz a aposta de que o grupo é benéfico, mas não falamos sobre o trauma em si. Explicamos como cérebro funciona e fazemos um treino para desenvolver a autocompaixão-, explica. Sob orientação de psicólogos, pessoas com transtorno do estresse pós-traumático começam a superar traumas. Quem precisa de tratamento psiquiátrico é encaminhado para o departamento específico e pode fazer o tratamento totalmente gratuito. Participantes de um primeiro grupo com dez pessoas, que se reuniu entre setembro e novembro, contaram ao G1 já ter sentido uma melhora com a experiência. Abuso sexual Com relação à violência sexual, a desinformação adquire contornos ainda mais complexos e faz com que as pessoas que desenvolveram o estresse pós-traumático tenham dificuldade para entender que precisam de ajuda.

No Brasil, ninguém tem muito claro o que o abuso sexual é uma violência. Tem também o bullying ligado à escolha sexual, em casa e na escola, que traz consequências. Na prática, a violência sexual e a questão de gênero, incluído homofobia, foram banalizadas-, explicou a psicóloga. No caso de uma estilista mineira de 29 anos, que pediu para seu nome não fosse revelado, foi um relacionamento amoroso que fez com que ela desenvolvesse o transtorno. Em 2010, ela teve um namorado que rastreava o seu celular, seu e-mail e se tornou muito violento após ela anunciar o fim do namoro. -Ele era muito bonito, chamava atenção de todo mundo. Era super bonzinho, prestativo. Meus pais gostavam muito dele. Descobri que ele tinha costume de mentir depois de ele inventar que tinha sofrido um acidente na estrada-, conta. Quando ela anunciou o fim do namoro, ele a pediu em casamento e lhe ofertou um carro. A estilista não aceitou o presente e em um dia em que ele lhe deu carona, ameaçou jogar o carro em cima de um caminhão. A jovem, que na época já tomava ansiolítico, acabou tomando uma dose a mais para se recuperar do susto. Ele acabou a levando para dormir na casa dele. -Ele forçou para termos relações sexuais. Eu não lembro exatamente o que foi que aconteceu. Ele me deixou presa no quarto por várias horas. Tentei gritar, mas ele me imobilizou pelo pescoço. Fiquei com muito medo, tive fome. Parecia um pesadelo-. O distanciamento do agressor não apagou as perturbadoras lembranças. Andar de carro com outra pessoa ao volante tornou-se um problema.

Eu não queria andar com ninguém. Quando entro no carro o retrovisor tem que ficar voltado para mim. Não gosto de nada que fique no meu pescoço, nem gargantilha. Só de lembrar do ocorrido tinha taquicardia-, lembra. A estilista aprovou o trabalho em grupo. -A gente escuta as outras experiências e a aprende que precisa saber enxergar os pontos positivos: estou viva, podia estar com alguma sequela. Hoje consigo contar o que aconteceu numa boa-, conta a estilista. Morte violenta -Me fez muito bem falar sobre a morte do meu filho. O trabalho me ajudou a entender que tem coisa que você não pode mudar e que eu não tive culpa, porque eu me culpava por não estar com ele aquele momento. Entendi que você tem que ter compaixão por você- A morte do filho em um assalto no litoral paulista pouco após o réveillon deste ano foi um divisor de águas na vida da artesã Elaine Cristina da Silva, de 46 anos. Ela deixou o trabalho como vendedora e dizia não ter forças para deixar o sofá. -Só chorava. Dormia muito mal, tinha pesadelos. Não tinha vontade para nada-. Elaine conta que as imagens de tudo o que aconteceu em 2 de janeiro voltavam de maneira recorrente.

Não saía da minha cabeça cada passo de tudo o que fiz naquele dia. Eu reconheci o corpo, ajudei a trocá-lo. Cada barulho que ouvia em casa, achava que ele estava chegando-, lembra. A artesã sentia necessidade de conversar sobre o assunto. -Em casa, moramos só eu e meu marido. Eu precisava falar a esse respeito, mas sentia que isso o machucava também. Então, eu guardava aquilo tudo para mim-, lembra. Ela levou cinco meses para entender que precisava de ajuda. -Achava que podia ser excesso de fraqueza da minha parte. As pessoas me diziam muito que com o tempo ia melhorar. Até você perceber que é uma doença demora um pouco-, conta. -Me fez muito bem falar sobre a morte do meu filho. O trabalho me ajudou a entender que tem coisa que você não pode mudar e que eu não tive culpa, porque eu me culpava por não estar com ele aquele momento. Entendi que você tem que ter compaixão por você-, conclui. Após morte do filho, Elaine Cristina da Silva demorou meses para entender que precisava de ajuda. Acidentes Além da violência, o grupo reúne vítimas de acidentes, como é o caso de uma das pessoas atingidas no desabamento do teto de uma igreja evangélica em São Paulo. A secretária aposentada Cilene Aparecida Koga, de 57 anos, que era pastora, conta que as imagens do ocorrido mais de cinco anos atrás nunca saíram da cabeça. -Ouvi um barulho como se tivesse tido um trovão. Olhei para trás para ver se estava chovendo quando o telhado se iluminou em cima da minha cabeça. Lembro de tudo em câmera lenta: vejo caindo placa por placa, parecendo um filme-, descreve.

Ela conta que só teve tempo de proteger a cabeça embaixo da cadeira. -Um destroço atingiu minhas costas e o meu pé. O primeiro diagnóstico foi de amputação. Os médicos conseguiram salvar meu pé, mas perdi o movimento-, conta. Cilene, que mora sozinha, ficou oito nove meses na cadeira de rodas e depois precisou de um andador para se locomover. O tratamento se prolonga até hoje. Atualmente ela toma 27 comprimidos por dia. Mensalmente, ela faz sessões de fisioterapia praticamente diariamente. Sentindo-se abandonada pela igreja que frequentava, Cilene ficou decepcionada. -Não conseguia mais me relacionar com as pessoas. Longe do convívio social, ela teve uma depressão. A aposentada conseguiu algumas sessões de terapia pelo SUS, mas foi insuficiente. Os encontros em grupo contribuíram que ela voltasse a falar sobre o acidente.

Estou conseguindo dar a volta por cima. Falar sobre o assunto, olhar para o teto. Tudo isso parece pouco, mas é muito significativo para mim, disse. Culpa, vergonha e autocrítica elevada Nos três casos mencionados na reportagem, as entrevistas acreditavam ter contribuído de alguma forma para a situação que lhes deixou traumatizada. A estilista mineira esconde o que passou da família até hoje. -Achava que tudo o que tinha acontecido era culpa minha porque ele era tão bonito, tão legal, lembra. Elaine se culpava por não estar ao lado do filho no momento em que ele foi ferido. Já Cilene se perguntava se poderia ter evitado a tragédia. -Eu via alguma goteira, mas eu não era responsável pela manutenção da igreja, não sabia que aquilo poderia provocar um desabamento-, desabafa. Os sentimentos de culpa e de vergonha e a autocrítica elevada, de acordo com a psicóloga, contribuem para intensificar o estresse que elas enfrentam e para que elas resistam em procurar ajuda.

Às vezes ela não acha que a situação que enfrentou exija de fato a busca de um tratamento.
Elas também costumam relatar a incompreensão da família, que considerada uma frescura a dificuldade que ela está enfrentando, alerta Lina.


Publicado em: 04/04/2016